quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Como podemos “aceitar” o sofrimento e a insanidade do mundo? Que vida terão as crianças?



Uma visão por Jeff Foster
O autor britânico Jeff Foster (de “Life Without a Centre” e “The Deepest Acceptance”) pediu para divulgar esse importante artigo sobre “Como Podemos Aceitar o Sofrimento do Mundo” (Keep Your Eyes On The Prize, How Can We ‘Accept’ The World’s Suffering?), origjnalmente publicado em maio de 2013, e agora traduzido para o português. Uma pergunta tão grande que diz respeito a praticamente todos os seres humanos que habitam esse planeta, já que parecemos estar todos bastante afetados pela violência e sofrimento que acontece e que nos chega globalmente pelos meios conectados.
Esse texto tem pelo menos dois chamados poderosos a respeito do que fazemos neste mundo. Primeiro, é uma tomada de consciência da influência desorientadora da mídia. O outrora privilégio e conveniência de receber notícias em nossas casas ou onde estamos (tv, jornais e portais de Internet) virou uma exposição diária ao medo e a uma visão pessimista da humanidade e do mundo. Saber lidar com esse mundo passa, então, fundamentalmente, por perceber que essa noção de mundo talvez seja primordialmente a composição dos meios que propagam uma realidade intoxicada de lados, de “nós contra eles”, essencialmente ruim e focado no que está decadente como se fosse o predominante ou o principal. Segundo, é a reflexão de como ensinamos nossos filhos ao reagir nós mesmos a esse mundo com eles nos assistindo atentamente quando “embarcamos” nesse noticiário e saímos a criticar a loucura do mundo, emitindo todo tipo de julgamentos sobre bem e mal, nós mesmos passando a adotar éticas questionáveis e a transmitir táticas de sobrevivência que estão de acordo com a manutenção dessa mesma noção de mundo.
É um texto talvez um pouco grande para a pressa usual que praticamos hoje, mas vale a semana. Talvez o ano, e o mundo.
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MANTENHA SEUS OLHOS NO PRÊMIO
Como Podemos ‘Aceitar’ o Sofrimento do Mundo?
Por Jeff Foster (tradução Nando Pereira)
“Um homem corta outro homem até à morte em plena luz do dia numa rua de Londres. Em Miami, um homem come o rosto de outro homem enquanto ele ainda está vivo. Em Paris, um homem estoura seus miolos na frente de uma dúzia de crianças arregaladas.
Essa é a hora de cantar mais alto nossas músicas de amargura, derrota e fúria desenfreada? É a hora de desistir? A filosofia do niilismo estava correto no fim das contas? É o mundo um engano sem significado, uma aberração da consciência, um desperdício do tempo de todo mundo?
Quando confrontado com “notícias” como as acima podemos nos sentir tão fracos, tão instáveis, como se estivéssemos vivendo num mundo que enlouqueceu e está fora de controle. Parece que tudo é um pesadelo, como se um demônio ou alguma força negra tivesse dominado. Alguns começam a falar da proximidade do Apocalipse. Realmente se parece com o fim do mundo do conto de fadas que um dia nós imaginamos. De nossa frustração e decepção, a raiva pode aparecer, a tentativa final do ego de controlar as coisas.
No meio da devastação nós procuramos respostas, causas, alguém ou algo a quem culpar, uma saída para toda essa confusão, essa energia de vida não processada. Culpamos os assassinos? Os pais deles? Toda a sociedade? O cérebro humano? A comida que comemos? Químicos? As estrelas? Nossos governos? Religiões? Reduzimos os assassinos a loucos doentes, desenganados e malignos? Vamos à guerra com eles como eles vieram à guerra conosco, desejando mais morte sobre eles e seus parentes? Entramos naquela velha história de bem versus mal, nós contra eles? Nós avançamos na solidificação de nossa identidade com um senso de eu construído pela mente?
Nós amaldiçoamos o universo e desejamos nunca ter nascido? Tentamos nos adormecer, nos distrair das realidades deste mundo, com álcool, com sexo, com trabalho, com confortos materiais? Nós simplesmente descartamos o horror, nos desligamos dos outros e viramos nossas costas para suas condições, resmungando e reclamando de quão “trágica” e “terrível” as coisas estão mas não fazendo nada para ajudar a promover mudança e cura?
Nos voltamos para mestres espirituais para nos confortar com conversas sobre a natureza ilusória da vida e da não-realidade de tudo que vemos? Nós regurgitamos palavras como “nada importa”, “é tudo um jogo inocente de maya” e “ninguém tem escolha mesmo”? Nós chamamos o que vemos de “ilusão”, nos poupando da dor de ter que confrontar a confusão e a aparente descontrole dessa manifestação relativa e impermanente? Fingimos que os eventos do mundo não tem nada a ver conosco, que tudo está desconectado e que somos ilhas em nós mesmos? Descemos ao solipsismo? À anarquia? Fechamos nossos corações de maneira ainda mais forte do que ele já está (fechado), construímos muros ainda mais altos e vivemos em um estado protegido do medo? Desistimos deste mundo e sonhamos com uma vida perfeita após a morte?
Nós buscamos conclusões sobre quão bom ou mal é o universo, fixando uma visão otimista ou pessimista? Usamos a “realidade” do noticiário como uma desculpa para desistir, para nos fechar, para esquecermos quem realmente somos? Deixamos os “terroristas” vencerem ao viver nós mesmos em terror, e aterrorizando os outros que classificamos como “maus”? Nós acrescentamos problemas aos que vemos? Ou usamos a aparência dos problemas para olhar mais profundamente para nós mesmos e ao jeito que vivemos e tratamos os outros? Vemos a loucura como um chamado para a claridade? A violência como um chamado para o amor? A dor como um chamado para a compaixão? O terror como um chamado para lembrar e expressar mais profundamente e com mais convicção aquela infinita inteligência que nós somos?
Nós perdoamos as matanças? Absolutamente não. Sentimos a dor das vítimas e das pessoas queridas dessas vítimas? Claro, porque não estamos separados.  Faríamos tudo que pudéssemos para evitar esse tipo de coisa de acontecer de novo? Certamente. Trabalhos por justiça? Sim. Relaxamos e simplesmente “aceitamos”? Se a aceitação significa desconexão e passividade, não. Se significa chegar a um profundo alinhamento com a vida, sabendo que a mudança inteligente e a cura sempre emergem de um mergulho no mistério do momento, então sim. A verdadeira aceitação e a mudança criativa são amantes.
No Oriente Médio, um Judeu doa seu rim para uma Palestina doente, salvando sua preciosa vida. Na Índia, uma mulher alimenta e lava aqueles com lepra, porque ela vê que somos todos expressões da mesma consciência e leva sua alegria para sua vida, apesar dos nomes que os outros lhe chamam. Em São Francisco, um filho gay segura a mão de seu idoso pai, e repentinamente o perdão acontece como se por mágica, inesperadamente, o peso e a violência e o ressentimento de uma vida inteira desaparecem, como se nunca tivessem acontecido.
Que “notícias” estamos ensinando às nossas crianças? Estamos lhes ensinando que elas nasceram num mundo essencialmente assustador, mau e doente, e que elas deveriam viver em medo e ódio? Ensinamos que a violência é inevitável, que “embutida” em nossa natureza? Ou lhes ensinamos que o assassinato e a tortura que vemos no noticiário todos os dias brota de um profundo esquecimento de quem somos, de uma crença falsa e desorientada de separação?
Estamos lhes ensinando a desistir de seus sonhos porque existem pessoas más lá fora que desejam lhes impedir? Estamos lhes ensinando a desistir do amor, a desistir da compaixão, a desistir da mudança, a desistir da humanidade, a desistir da alegria, por causa de todas as “notícias”? Estamos lhes ensinando a focar no que está errado com o mundo, a se apegar ao negativo, a cantar músicas de derrota e desilusão? Estamos lhes cegando para o “negativo” ao focá-los exclusivamente no “positivo”? Ou estamos lhes ensinando a reconhecer a violência do mundo, a dor dele, mas a ver que toda essa tristeza é parte de uma realidade infinitamente maior, uma realidade onde tudo está interconectado e tudo importa e tudo está em equilíbrio e nada está escrito em pedra?
Não use as “notícias” como uma desculpa para parar de viver sua verdade, por um momento sequer. Não acredite por um segundo que há uma força chamada “mal” no mundo com uma força capaz de vencer a Vida. O terror não pode vencer, porque ele nasce de um engano grosseiro a respeito de nossa natureza. Nós estamos apenas nos machucando, nos esfaqueando, nos matando, e lá no fundo sabemos disso e sempre soubemos. Uma onda nunca pode estar separada do oceano, e de nenhuma outra onda, e para além de nossas diferenças de opinião e crença, somos todos movimentos de uma Única Vida, da verdadeira Força, para além da força mundana das armas e de machados pingando sangue. Ensine seus filhos as realidades do mundo, sim, mas, mais importante que isso, ensine-os as realidades de seus corações e dos corações daqueles que chamamos de “outros”. Deixe a onda atual de violência servir na verdade para aprofundar nossa convicção na eterna e inatingível benção da Presença que você sempre soube, e reconfirmar sua intenção de acabar com toda violência em você mesmo, a viver como você sabe que pode viver. Não permita que as “notícias”, ou ao menos as histórias selecionadas e apresentadas a você como notícias lhes distraiam da Verdade.
Mantenha seus olhos no prêmio.”
Publicado em 26 de fevereiro de 2014 por Nando Pereira


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