segunda-feira, 29 de abril de 2013

A da torneira talvez seja mais limpa...



Pesquisadores de Araraquara avaliaram a qualidade de três “modelos” de água mineral e detectaram níveis preocupantes de contaminação em galões de 20 litros antes do vencimento do prazo de validade

Nunca se vendeu tanta água mineral no mundo, o que em parte é resultado de uma bem-sucedida promoção do produto engarrafado como alternativa mais limpa, mais pura e mais segura àquela que nos chega pelas torneiras. Mas um estudo feito por pesquisadores da Unesp e publicado na revista Food Control sugere que não é bem assim e, em alguns casos, pode ser o contrário.

Em várias amostras analisadas foram encontrados níveis preocupantes de bactérias antes do vencimento do prazo de validade indicado no rótulo das garrafas. Em alguns casos, isso ocorreu já nos primeiros dias após o envase.

Em dois terços dos 60 galões a contagem de micro-organismos ficou acima do limite aceitável para a água da torneira. Em certos casos, o valor obtido era mil vezes maior que esse padrão. Uma bactéria oportunista foi encontrada em duas amostras realizada pela pós-doutoranda Maria Fernanda Falcone Dias na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp em Araraquara, o trabalho suscita questões sobre a legislação para a água mineral brasileira. “Nosso objetivo é gerar dados para ajudar a melhorar a qualidade do produto que chega aos consumidores”, afirma o professor Adalberto Farache Filho, também de Araraquara e coautor do estudo.

Proveniente de fontes naturais, a água mineral não passa por nenhum tipo de tratamento. Deve ser livre de contaminação na origem e preservar suas características originais, o que inclui a presença de diversos sais e de uma fauna microbiana considerada benéfica à saúde humana. Geralmente em posse da iniciativa privada, as fontes de água mineral devem ter sua qualidade certificada pelo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral.

Já a água de abastecimento público (vulgarmanente conhecida como “torneiral”), além de passar por tratamento químico e físico, tem sua qualidade obrigatoriamente verificada por análises microbiológicas antes de ser distribuída nas cidades. A principal é chamada CHP, sigla para Contagem de [micro-organismos] Heteretróficos em Placa. Embora esse teste seja feito também na água engarrafada (antes do envase), a legislação só estabelece um valor máximo aceitável – de 500 UFC/ml (unidades formadoras de colônia por mililitro de água) – para o líquido que vai para as torneiras. “Esse é o padrão internacional, que é seguido pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, explica Maria Fernanda. Mas já existe uma tendência mundial de adotar o mesmo limite máximo também para a água de garrafa, acrescenta ela.

Maria Fernanda analisou o conteúdo de garrafas de meio litro e de 1,5 litro em 11 ocasiões ao longo de um ano, que é o prazo recomendado para seu consumo. Já os garrafões de 20 litros passaram por cinco testes, realizados ao longo dos 60 dias de validade do produto. Ao todo foram 324 amostras de seis marcas (não relevadas pelos autores). Além da CHP, outras análises procuraram detectar a presença de coliformes fecais e totais e de bactérias como a Escherichia coli e a Pseudomonas aeruginosa, que podem causar diarreia e infecções, principalmente em crianças, gestantes e idosos.

Os resultados mostraram que, dos três tipos de garrafa d’água, o de 20 litros foi o que apresentou mais problemas de contaminação. Em dois terços dos 60 garrafões analisados foi encontrada contagem superior a 500 UFC/ml – às vezes chegando a incríveis 560.000 UFC/ml, mais de mil vezes acima do padrão aceitável para a água de abastecimento.

Em dois desses galões foram detectadas ainda a bactéria P. aeruginosa e outras do chamado grupo dos enterococos. A primeira é um ser oportunista que pode agravar o estado de saúde de quem tem o sistema imunológico comprometido. As últimas não são causa direta de doenças, mas costumam ser usadas como indicadores de contaminação por esgoto.

Não é de hoje que os garrafões de água mineral apresentam problemas sanitários. Numa tentativa de evitar o problema, uma portaria de 2011 do DNPM determinou prazo de validade de três anos para os galões retornáveis de 10 e 20 litros. Segundo Farache, a contaminação geralmente decorre de falhas de higienização na indústria. “Não adianta reutilizar [o garrafão] por um prazo limitado se ele não for lavado a cada vez que é usado.”

Esse tipo de contaminação pode ocorrer ainda na fonte, mas é mais comum durante ou após o envase. O próprio ambiente, as embalagens e as tampas são potenciais moradas dessas bactérias. Os equipamentos usados no processo, bem como os reservatórios de armazenamento podem também abrigar populações de micro-organismos contaminantes, enumeram os pesquisadores.

Ao abrigo do sol

Outra possível fonte de contaminação (ainda que indireta) é a exposição ao sol. A radiação acelera a quebra de moléculas orgânicas presentes na água (em baixíssimas concentrações), que passam a ter o tamanho ideal para virar comida de bactérias. Com alimento disponível, elas se reproduzem e a população cresce. E então, quando morrem, servem de alimento para outras bactérias.

Esse ciclo de vida e morte é uma hipótese de trabalho. Em várias amostras, os pesquisadores observaram baixa concentração de micro-organismos nos primeiros dias após o envase, que por sua vez aumentou alguns dias depois, para em seguida voltar a ser baixa. “Por enquanto é apenas uma possibilidade, mas outros estudos feitos no exterior chegaram a resultados parecidos”, diz Maria Fernanda.

Farache alerta ainda para outro tipo muito comum de contaminação dos garrafões de água mineral (que ficou fora do escopo do estudo). Ocorre no local de consumo, mas pode ser facilmente evitado. “É preciso fazer a higienização correta não só do galão como do suporte”, diz. Tanto um como o outro devem ser lavados com água sanitária, ou, pelo menos, com água clorada e sabão, a cada troca do recipiente, enfatiza o pesquisador.

(Revista Unesp Ciência)
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